segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

"Falta seriedade no futebol moçambicano"

É o jogador internacional moçambicano de maior sucesso no estrangeiro depois de Chiquinho Conde. Amado e odiado no mundo do futebol, Dário Monteiro foi campeão nacional pela Liga Muçulmana no seu regresso ao país, mas quer terminar a carreira no Desportivo de Maputo. Embora tenha “contas por pagar” não põe de parte a possibilidade de jogar no clube do seu coração “sem salário”. Afirma que Nelson - uma promessa nacional a florescer na Liga Muçulmana -tem um talento enorme, mas pode passar ao lado de um grande carreira. Por uma razão óbvia: “a preguiça”.

(@Verdade) – Vai terminar a sua carreira no Desportivo?

(Dário Monteiro) - Gostaria de terminar no Desportivo. Aliás, nunca escondi que gostaria de terminar a minha carreira no clube onde comecei a jogar, mas isso dependerá das condições que o clube oferece.

Não falo especificamente de questões monetários. Isso não é o mais importante. É preciso ter em conta as condições de trabalho e as reiais hipóteses de constituir uma equipa com alguma qualidade.

(@V) - ...E a Liga?

(DM) -Eu sou da família do Desportivo, apesar de ter jogado na Liga o ano passado. Neste momento sou um jogador livre e a direcção da Liga ainda não falou da minha continuidade.

(@V) - Os jogadores do Desportivo, na época passada, caram alguns meses sem salário. Abdicaria do mesmo para jogar no clube do seu coração?

(DM) - Jogar no Desportivo sem salário seria um bocadinho complicado, pois tenho de lidar com situações do dia-a-dia relacionadas com transporte, combustível, entre outras coisas básicas. Masse houvesse essa possibilidade não a punha de parte. Até porque seria apenas uma época.

(@V) – Porquê uma época?

(DM) – Gostaria de jogar mais um ano porque, sinceramente, queria terminar a minha carreira no Desportivo e também porque as pernas só me permitem jogar mais uma época. Mais do que isso seria esforço desnecessário.

(@V) – Acha que o clube está melhor do que no período que passou por lá.

(DM) - Acho que o Desportivo melhorou. Passados 15 anos só pode ter melhorado alguma coisa.

(@V) – Não pensa que um clube com o historial do Desportivo tenha a obrigação de ter um campo relvado?

(DM) – Isso é algo que vem do meu tempo. Penso que devia. Até porque as condições do campo em que uma equipa treina podem, de alguma forma, determinar a qualidade do seu futebol.

(@V) – Em alguma fase da sua carreira ficou sem salário?

(DM) - Principalmente em Portugal, na Académica, estive vários meses sem salário. Mas acho que o mais importante não é não receber, mas sim a forma com os dirigentes lidam com a situação. É preciso ter em conta que os atletas têm família e elas dependem do que eles ganham. Até porque eles não fazem mais nada a não ser jogar a bola. Mesmo que não se pague muito é importante que os clubes honrem atempadamente os seus compromissos.

(@Verdade) – Jogou uma época no país. Notou alguma melhoria em relação ao seu tempo?

(DM) - Há melhorias, mas falta seriedade. Com excepção da Liga Muçulmana, que é um clube à parte em termos de seriedade e honestidade com os seus atletas, registam-se algumas melhorias. Contudo, não posso falar dos outros clubes com profundidade. Posso, isso sim, dizer que antes de sair do país havia pouca seriedade nos clubes no compromisso com os atletas.

(@Verdade) – Essa melhoria verica-se na qualidade do atleta?

(DM) - Em termos de qualidade futebolística os jogadores do Moçambola não têm a qualidade do meu tempo. Mas isso é resultado de outras coisas. Por exemplo, tenho acompanhado o futebol juvenil e o júnior e garanto que a qualidade em relação ao meu tempo decresceu drasticamente. Há falta de trabalho de formação em Moçambique. Por isso é que os jogadores chegam as seniores com anomalias que não coadunam com o seu escalão.

(@V) – Não será, de alguma forma, por causa do desaparecimento dos espaços nos quais era comum a prática do desporto?

(DM) - Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Quando uma sociedade sofre modifi cações a forma como certas actividades decorrem deve acompanhar esse processo. Ou seja, a nossa sociedade está a evoluir e com ela deve evoluir o conceito de escola de jogadores.

A ausência de espaços não signifi ca necessariamente o subdesenvolvimento da prática de futebol. Portanto, deve mudar o lugar onde o mesmo é praticado e convenientemente divulgado, de modo que todas as crianças com talento possam ter conhecimento da existência desses lugares.

(@V) – Pensa em abrir uma escola de jogadores?

(DM) - Antes de chegar ao futebol moçambicano pensei nisso. Mas agora que conheço a realidade do país começo a deixar de acreditar que uma escola possa ter um final feliz. Numa escolinha um jogador entra com 12 anos e os frutos são colhidos passados 10 anos. Neste país ninguém acredita em projectos – somos um povo sem paciência – e assim não é possível trabalhar.

(@V) – O que pensa fazer depois de terminar a sua carreira?

(DM) - O meu sonho é fazer um curso universitário. O meu contributo, diga-se, para o futebol moçambicano dependerá das oportunidades que tiver. Talvez por isso não ponha completamente de parte a possibilidade de fazer uma escola de jogadores, embora já tenha tido maior motivação.

(@V) – Já pensou em abraçar a carreira de treinador?

(DM) - Não faço força para ser treinador de futebol. Aliás, penso que ser treinador é dar continuidade à carreira no futebol. Orgulho por representar Moçambique

(@V) – Qual foi o momento mais marcante com a elástica dos Mambas?

(DM) - Sem querer enumerar, todas as vezes que eu joguei na selecção nacional foram marcantes. Não é todos os dias que um jogador de futebol tem a oportunidade de representar o seu país.

(@V) – Sentiu-se magoado quando foi assobiado pelo público da Machava?

(DM) - Eu fui um dos notáveis da selecção nacional e estou orgulhoso de ter sido uma e outra vez vaiado. Quando és apupado significa que as pessoas sabem que és alguém que pode resolver os problemas do país e eu nunca me escondi. Trabalhei sempre no sentido de corresponder.

(@V) – Sente que é reconhecido pelo seu contributo nos feitos dos Mambas?

(DM) - Acredito que o reconhecimento vem com o tempo. Deixei de jogar na selecçãohá seis meses e não vesti a camiseta do país com o intuito de ser reconhecido. Muito pelo contrário, sinto-me orgulhoso da nação que me viu nascer e crescer e também pelo facto de me ter dado a oportunidade de jogar no estrangeiro. Estou agradecido à nação e não estou à espera que ela me agradeça. Representei o país com o orgulho de ser moçambicano.

(@V) - Ganhou dinheiro su ficiente para viver sem trabalhar?

(DM) – Não. Vou ter de trabalhar para viver. Ganhei o suficiente para alavancar a minha vida, mas não para viver como um rei.

(@V) - Qual foi o melhor jogador moçambicano que viu jogar?

(DM) - Fui admirador de vários jogadores, mas indiscutivelmente houve um que representou Moçambique com uma qualidade acima da média que é o Chiquinho Conde. Foi sempre um senhor dentro e fora dos campos. Acho que há muito pouco reconhecimento deste senhor do futebol moçambicano.

(@V) – Actualmente...

(DM) - Sem sombras de dúvidas é o Dominguez. É um jogador diferente e com características invulgares principalmente para o nosso futebol. Joga de forma diferente dos outros num país que regista um desaparecimento drástico de talentos. Provavelmente, trata-se do último talento do futebol moçambicano.

(@V) - E no clube onde jogou?

(DM) - O jogador com maior talento da Liga Muçulmana é o Nelson. Tem qualidades excepcionais e, se não fosse preguiçoso, teria um futuro brilhante pela frente, mas penso que a preguiça passa com o tempo. Oxalá que ele possa mostrar todo o talento que tem nos pés e na cabeça.

(@V) – O melhor técnico...

(DM) - É o Artur Semedo. Trabalhei com o mister Semedo na época passada e fiquei com a sensação de que ele não explana todo o seu conhecimento pelas limitações estruturais do país. Se ele está ao nível dos melhores do mundo só o tempo dirá.

(@V) – É boa para o Moçambola a presença de treinadores estrangeiros?

(DM) - Depende da concepção que cada um tem. Não acredito que cheguem treinadores iguais ou piores do que os que nós temos. Se fosse assim não teríamos necessidade de contratá- los. Eles são contratados com base nos currículos e objectivos de cada clube.

(@V) – Acha normal um clube apresentar o seu plantel sem antes encontrar treinador?

(DM) - Nós não sabemos quais são os planos do clube e quais são os seus objectivos. Não sabemos quais foram as nuances dessa contratação e que planificação foi feita, mas que é anormal isso é.

(@V) - No mundo do futebol, em algum momento terá cado magoado com alguém em especial?

(DM) – Sim. Por causa de um lance no jogo contra a Costa do Marfim, no qual as pessoas foram induzidas, por via da Imprensa desportiva, a olhar para a parte final da jogada. Há, na verdade, dois momentos nesse lance. O primeiro que começa quando um jogador passa por dois adversários e é derrubado na área e o árbitro marca uma grande penalidade, momento esse em que o atleta em questão é uma espécie de herói da pátria. Porém, depois da defesa do guarda-redes adversário esse jogador passou a ser traidor da pátria.

(@V) – O que o leva a pensar que as pessoas foram induzidas?

(DM) - No meu entender isso resultou de um jornalismo encomendado, situação que me deixou triste porque não se estava a falar de um jogador qualquer. Era um dos mais importantes do país e eu não acho que uma grande penalidade defendida por um adversário que também está a servir a sua pátria seja uma traição. Dei tudo: joguei lesionado e febril. Eu sou moçambicano e tenho orgulho disso.

Portanto, não poderia ter pensado em trair 20 milhões de pessoas como andaram a escrever. Sinceramente, fiquei magoado com o Narciso Nhacila pelos artigos. Foram vários os trabalhos que ele fez com o intuito de denegrir a minha imagem. Na minha percepção só pode ter sido algo encomendado. Fiquei, repito, magoado porque não feriu só a mim, mas também a minha família.

Ele pôs em causa a minha integridade como cidadão, pôs em causa a minha postura como desportista e internacional moçambicano, pôs em causa a minha credibilidade diante do país. Foram momentos difíceis nos quais tive dificuldades de sair de casa. O final foi feliz porque nos qualificámos e penso que se isso não tivesse acontecido o Dário seria crucificado.

(@V) – Essa campanha que visava, diz, colocar Jerry no seu lugar terá afectado a relação com o então melhor marcador do Moçambola?

(DM) - Tenho uma relação muito boa com o Jerry. Fui uma das pessoas que ajudou o rapaz a ir à Académica. Ele não teve culpa pela campanha que foi feita para afastar o Dário da selecção.

(@V) – Que futuro antevê para o futebol moçambicano?

(DM) – Sombrio.O problema do futebol deve ser partilhado por várias entidades e enquanto ele for discutido em função de pessoas não vai a lado nenhum. Não devem ser apontados dedos a este e aquele. O problema é que o país preocupa-se com momentos. Ninguém sabe o que está a ser feito para o jogo com a Tanzânia.

Não existe planificação e por isso existe esse ir e vir de treinadores. Qual é o nosso horizonte para daqui a 10 anos? Onde queremos estar e o que está a ser feito para que isso se efective. Temos de planifi car. Ou seja, colher para plantar. Ninguém traça metas. As pessoas vivem de pequenas vitórias e de resultados imediatos que, regra geral, são completamente enganadores.

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