segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

"Falta seriedade no futebol moçambicano"

É o jogador internacional moçambicano de maior sucesso no estrangeiro depois de Chiquinho Conde. Amado e odiado no mundo do futebol, Dário Monteiro foi campeão nacional pela Liga Muçulmana no seu regresso ao país, mas quer terminar a carreira no Desportivo de Maputo. Embora tenha “contas por pagar” não põe de parte a possibilidade de jogar no clube do seu coração “sem salário”. Afirma que Nelson - uma promessa nacional a florescer na Liga Muçulmana -tem um talento enorme, mas pode passar ao lado de um grande carreira. Por uma razão óbvia: “a preguiça”.

(@Verdade) – Vai terminar a sua carreira no Desportivo?

(Dário Monteiro) - Gostaria de terminar no Desportivo. Aliás, nunca escondi que gostaria de terminar a minha carreira no clube onde comecei a jogar, mas isso dependerá das condições que o clube oferece.

Não falo especificamente de questões monetários. Isso não é o mais importante. É preciso ter em conta as condições de trabalho e as reiais hipóteses de constituir uma equipa com alguma qualidade.

(@V) - ...E a Liga?

(DM) -Eu sou da família do Desportivo, apesar de ter jogado na Liga o ano passado. Neste momento sou um jogador livre e a direcção da Liga ainda não falou da minha continuidade.

(@V) - Os jogadores do Desportivo, na época passada, caram alguns meses sem salário. Abdicaria do mesmo para jogar no clube do seu coração?

(DM) - Jogar no Desportivo sem salário seria um bocadinho complicado, pois tenho de lidar com situações do dia-a-dia relacionadas com transporte, combustível, entre outras coisas básicas. Masse houvesse essa possibilidade não a punha de parte. Até porque seria apenas uma época.

(@V) – Porquê uma época?

(DM) – Gostaria de jogar mais um ano porque, sinceramente, queria terminar a minha carreira no Desportivo e também porque as pernas só me permitem jogar mais uma época. Mais do que isso seria esforço desnecessário.

(@V) – Acha que o clube está melhor do que no período que passou por lá.

(DM) - Acho que o Desportivo melhorou. Passados 15 anos só pode ter melhorado alguma coisa.

(@V) – Não pensa que um clube com o historial do Desportivo tenha a obrigação de ter um campo relvado?

(DM) – Isso é algo que vem do meu tempo. Penso que devia. Até porque as condições do campo em que uma equipa treina podem, de alguma forma, determinar a qualidade do seu futebol.

(@V) – Em alguma fase da sua carreira ficou sem salário?

(DM) - Principalmente em Portugal, na Académica, estive vários meses sem salário. Mas acho que o mais importante não é não receber, mas sim a forma com os dirigentes lidam com a situação. É preciso ter em conta que os atletas têm família e elas dependem do que eles ganham. Até porque eles não fazem mais nada a não ser jogar a bola. Mesmo que não se pague muito é importante que os clubes honrem atempadamente os seus compromissos.

(@Verdade) – Jogou uma época no país. Notou alguma melhoria em relação ao seu tempo?

(DM) - Há melhorias, mas falta seriedade. Com excepção da Liga Muçulmana, que é um clube à parte em termos de seriedade e honestidade com os seus atletas, registam-se algumas melhorias. Contudo, não posso falar dos outros clubes com profundidade. Posso, isso sim, dizer que antes de sair do país havia pouca seriedade nos clubes no compromisso com os atletas.

(@Verdade) – Essa melhoria verica-se na qualidade do atleta?

(DM) - Em termos de qualidade futebolística os jogadores do Moçambola não têm a qualidade do meu tempo. Mas isso é resultado de outras coisas. Por exemplo, tenho acompanhado o futebol juvenil e o júnior e garanto que a qualidade em relação ao meu tempo decresceu drasticamente. Há falta de trabalho de formação em Moçambique. Por isso é que os jogadores chegam as seniores com anomalias que não coadunam com o seu escalão.

(@V) – Não será, de alguma forma, por causa do desaparecimento dos espaços nos quais era comum a prática do desporto?

(DM) - Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Quando uma sociedade sofre modifi cações a forma como certas actividades decorrem deve acompanhar esse processo. Ou seja, a nossa sociedade está a evoluir e com ela deve evoluir o conceito de escola de jogadores.

A ausência de espaços não signifi ca necessariamente o subdesenvolvimento da prática de futebol. Portanto, deve mudar o lugar onde o mesmo é praticado e convenientemente divulgado, de modo que todas as crianças com talento possam ter conhecimento da existência desses lugares.

(@V) – Pensa em abrir uma escola de jogadores?

(DM) - Antes de chegar ao futebol moçambicano pensei nisso. Mas agora que conheço a realidade do país começo a deixar de acreditar que uma escola possa ter um final feliz. Numa escolinha um jogador entra com 12 anos e os frutos são colhidos passados 10 anos. Neste país ninguém acredita em projectos – somos um povo sem paciência – e assim não é possível trabalhar.

(@V) – O que pensa fazer depois de terminar a sua carreira?

(DM) - O meu sonho é fazer um curso universitário. O meu contributo, diga-se, para o futebol moçambicano dependerá das oportunidades que tiver. Talvez por isso não ponha completamente de parte a possibilidade de fazer uma escola de jogadores, embora já tenha tido maior motivação.

(@V) – Já pensou em abraçar a carreira de treinador?

(DM) - Não faço força para ser treinador de futebol. Aliás, penso que ser treinador é dar continuidade à carreira no futebol. Orgulho por representar Moçambique

(@V) – Qual foi o momento mais marcante com a elástica dos Mambas?

(DM) - Sem querer enumerar, todas as vezes que eu joguei na selecção nacional foram marcantes. Não é todos os dias que um jogador de futebol tem a oportunidade de representar o seu país.

(@V) – Sentiu-se magoado quando foi assobiado pelo público da Machava?

(DM) - Eu fui um dos notáveis da selecção nacional e estou orgulhoso de ter sido uma e outra vez vaiado. Quando és apupado significa que as pessoas sabem que és alguém que pode resolver os problemas do país e eu nunca me escondi. Trabalhei sempre no sentido de corresponder.

(@V) – Sente que é reconhecido pelo seu contributo nos feitos dos Mambas?

(DM) - Acredito que o reconhecimento vem com o tempo. Deixei de jogar na selecçãohá seis meses e não vesti a camiseta do país com o intuito de ser reconhecido. Muito pelo contrário, sinto-me orgulhoso da nação que me viu nascer e crescer e também pelo facto de me ter dado a oportunidade de jogar no estrangeiro. Estou agradecido à nação e não estou à espera que ela me agradeça. Representei o país com o orgulho de ser moçambicano.

(@V) - Ganhou dinheiro su ficiente para viver sem trabalhar?

(DM) – Não. Vou ter de trabalhar para viver. Ganhei o suficiente para alavancar a minha vida, mas não para viver como um rei.

(@V) - Qual foi o melhor jogador moçambicano que viu jogar?

(DM) - Fui admirador de vários jogadores, mas indiscutivelmente houve um que representou Moçambique com uma qualidade acima da média que é o Chiquinho Conde. Foi sempre um senhor dentro e fora dos campos. Acho que há muito pouco reconhecimento deste senhor do futebol moçambicano.

(@V) – Actualmente...

(DM) - Sem sombras de dúvidas é o Dominguez. É um jogador diferente e com características invulgares principalmente para o nosso futebol. Joga de forma diferente dos outros num país que regista um desaparecimento drástico de talentos. Provavelmente, trata-se do último talento do futebol moçambicano.

(@V) - E no clube onde jogou?

(DM) - O jogador com maior talento da Liga Muçulmana é o Nelson. Tem qualidades excepcionais e, se não fosse preguiçoso, teria um futuro brilhante pela frente, mas penso que a preguiça passa com o tempo. Oxalá que ele possa mostrar todo o talento que tem nos pés e na cabeça.

(@V) – O melhor técnico...

(DM) - É o Artur Semedo. Trabalhei com o mister Semedo na época passada e fiquei com a sensação de que ele não explana todo o seu conhecimento pelas limitações estruturais do país. Se ele está ao nível dos melhores do mundo só o tempo dirá.

(@V) – É boa para o Moçambola a presença de treinadores estrangeiros?

(DM) - Depende da concepção que cada um tem. Não acredito que cheguem treinadores iguais ou piores do que os que nós temos. Se fosse assim não teríamos necessidade de contratá- los. Eles são contratados com base nos currículos e objectivos de cada clube.

(@V) – Acha normal um clube apresentar o seu plantel sem antes encontrar treinador?

(DM) - Nós não sabemos quais são os planos do clube e quais são os seus objectivos. Não sabemos quais foram as nuances dessa contratação e que planificação foi feita, mas que é anormal isso é.

(@V) - No mundo do futebol, em algum momento terá cado magoado com alguém em especial?

(DM) – Sim. Por causa de um lance no jogo contra a Costa do Marfim, no qual as pessoas foram induzidas, por via da Imprensa desportiva, a olhar para a parte final da jogada. Há, na verdade, dois momentos nesse lance. O primeiro que começa quando um jogador passa por dois adversários e é derrubado na área e o árbitro marca uma grande penalidade, momento esse em que o atleta em questão é uma espécie de herói da pátria. Porém, depois da defesa do guarda-redes adversário esse jogador passou a ser traidor da pátria.

(@V) – O que o leva a pensar que as pessoas foram induzidas?

(DM) - No meu entender isso resultou de um jornalismo encomendado, situação que me deixou triste porque não se estava a falar de um jogador qualquer. Era um dos mais importantes do país e eu não acho que uma grande penalidade defendida por um adversário que também está a servir a sua pátria seja uma traição. Dei tudo: joguei lesionado e febril. Eu sou moçambicano e tenho orgulho disso.

Portanto, não poderia ter pensado em trair 20 milhões de pessoas como andaram a escrever. Sinceramente, fiquei magoado com o Narciso Nhacila pelos artigos. Foram vários os trabalhos que ele fez com o intuito de denegrir a minha imagem. Na minha percepção só pode ter sido algo encomendado. Fiquei, repito, magoado porque não feriu só a mim, mas também a minha família.

Ele pôs em causa a minha integridade como cidadão, pôs em causa a minha postura como desportista e internacional moçambicano, pôs em causa a minha credibilidade diante do país. Foram momentos difíceis nos quais tive dificuldades de sair de casa. O final foi feliz porque nos qualificámos e penso que se isso não tivesse acontecido o Dário seria crucificado.

(@V) – Essa campanha que visava, diz, colocar Jerry no seu lugar terá afectado a relação com o então melhor marcador do Moçambola?

(DM) - Tenho uma relação muito boa com o Jerry. Fui uma das pessoas que ajudou o rapaz a ir à Académica. Ele não teve culpa pela campanha que foi feita para afastar o Dário da selecção.

(@V) – Que futuro antevê para o futebol moçambicano?

(DM) – Sombrio.O problema do futebol deve ser partilhado por várias entidades e enquanto ele for discutido em função de pessoas não vai a lado nenhum. Não devem ser apontados dedos a este e aquele. O problema é que o país preocupa-se com momentos. Ninguém sabe o que está a ser feito para o jogo com a Tanzânia.

Não existe planificação e por isso existe esse ir e vir de treinadores. Qual é o nosso horizonte para daqui a 10 anos? Onde queremos estar e o que está a ser feito para que isso se efective. Temos de planifi car. Ou seja, colher para plantar. Ninguém traça metas. As pessoas vivem de pequenas vitórias e de resultados imediatos que, regra geral, são completamente enganadores.

Icidua: um lugar para não viver

Icidua não precisa de nenhum índice para se revelar ao mundo como o pior lugar para viver, pelo menos na cidade de Quelimane. Encravado nas margens do rio dos Bons Sinais, continua a reivindicar o estatuto de bairro residencial graças aos cerca de oito mil habitantes congregados pela actividade piscatória. Nem o peixe miúdo (seu cartão de visita) e outros mariscos arrastados pelas minúsculas redes diariamente lançadas ao rio conseguem “fragilizar” a miséria que campeia em toda a sua extensão. Falta-lhe quase tudo, menos as bebidas alcoólicas e o sexo pré-pago que preenchem as vagas de lazer...

Em Icidua não há casas, luz eléctrica e muito menos água canalizada. Na maior parte das cabanas o sol e a chuva têm acesso livre através do tecto. Os lugares onde deviam existir janelas são uma espécie de estradas com um semáforo eternamente verde para quem quiser entrar, homens e insectos. Os moradores, que ocupam as margens do rio, sobrevivem paredes meias com a imundície...

O bairro tem 8523 habitantes e dista a menos de 7 quilómetros do centro da cidade de Quelimane. A maior parte da população é jovem e (sobre)vive do que tira do rio. @Verdade chegou nas vésperas das eleições viu, ouviu e indagou.

Este é um bairro, diga-se, com características próprias. A taxa de infecção por HIV é altíssima, qualquer coisa na ordem dos 40 porcento. Ou seja, uma em cada oito pessoas é portador do HIV/SIDA.

Um número, refira-se, que pode ser maior ou menor, pois as pessoas que residem nas margens do rio dos Bons Sinais mudam de lugar em função do que as águas oferecem. Essa mobilidade torna difícil, diz um agente de saúde, aferir com exactidão o número de portadores de HIV/SIDA. “Tudo indica que há mais pessoas com HIV/SIDA”, acredita um técnico de saúde.

No princípio, contam os primeiros residentes, Icidua era um lugar em que apenas habitavam pescadores, mas devido à guerra dos 16 anos a população de Pebane encontrou neste espaço um lugar “seguro” para viver.

Embora o fluxo migratório tenha transformado Icidua numa zona residencial, o tempo parou o desenvolvimento e o dia a dia, neste bairro, é um panfleto em letras garrafais que abala as estruturas de qualquer discurso. Aqui caem em saco rotos frases feitas como “estamos a fragilizar a pobreza”.

Para encontrar água salubre as pessoas têm de percorrer mais de 5 quilómetros, do coração de Icidua ao bairro Torrone Velho. Um bidão de 20 litros custa 5 meticais. Os serviços de saúde só chegarem em 2006, depois veio a esquadra...

Uma vida miserável

Tomé José Sábado, 54 de idade, mora na margem do rio e vive do que ele lhe dá: Quase nada. Num casebre que não lhe protege do sol e muito menos da água, Sábado tem três filhos e vive com eles e a esposa num espaço que é, na verdade, a negação da existência humana. A cabana é feita de paus e tem uma cobertura de ramos de coqueiro. Não tem mais do que três metros quadrados.

Aqui não há mobílias, Sábado dorme em cima de paus trançados, suportados por pedregulhos. Os três filhos passam a noite no chão da cabana. Quando chove fica empapado e ninguém dorme. Ficam todos em pé até o dia clarear.

À entrada fica uma cozinha improvisada. O fogão é móvel. Na verdade são três pedras que Joaquina, a mulher de sábado – não sabe a sua idade – movimenta a seu bel prazer. Joaquina tem duas panelas velhas, duas colheres de pau e dois pratos. Estes seis artigos de cozinha constituem toda a sua fortuna.

Na hora da refeição comem duas pessoas de cada vez porque o número dos membros do agregado é superior ao de pratos. Ela, como só um coração de mãe permiti, é sempre a última. Às vezes nem come.

Dia de fartura

Hoje, o agregado familiar tem o que comer. Ontem (dia 5 de Dezembro), Sábado teve um dia em grande. Conseguiu tirar do rio cerca de 15 peixes. Muito pequenos é verdade, mas renderam-lhe 10 meticais e ainda ficou com cinco peixes para a família. Um para cada membro. Joaquina tem arroz que colhe numa machamba que dista 20 quilómetros da sua casa.

O dinheiro, esse, serviu para comprar linha com a qual já pode remendar a sua rede de pesca bastante castigada pelo uso.

O rio, antes de bons sinais, hoje não dá quase nada. Já foram os tempos da abundância e a idade já não é um grande aliado. “Já não tenho forças. Estou a ficar velho”, afirma.

Ainda assim, Sábado terá de morrer a trabalhar. Os filhos são todos menores. O mais velho tem sete anos. Portanto, a perda do chefe de família pode significar uma privação maior. Por isso, o mais velho já começou a perscrutar os segredos do rio.

Joaquina nem quer pensar nisso. Expressa-se com difi culdades, mas sabe o que é melhor para os seus filhos. “Só tenho duas meninas e um rapaz” que vai buscar lenha e água. A morte do marido colocar-lhe-ia numa situação delicada, a de ter de alimentar três filhos com a mandioca e o arroz que colhe na sua machamba.

Mateus, alheio aos dilemas dos progenitores, diverte-se nas margens do rio, mal sabe que o seu futuro, no caso de lhe faltar o pai, será no leito do rio das margens onde corre sorridente sem pensar no amanhã.

Almoçar no final do dia

Quando @Verdade chegou, por volta das 9horas, uma criança dormia numa rede de pesca para “fintar” a fome, pois o almoço (única refeição do dia) só seria servido por volta das 16horas. A família de Sábado vive amordaçada num dilema: passar fome a maior parte do dia e comer à noite ou comer de dia e dormir com a barriga a roncar quando o sol se põe. Por isso, Joana tem de dormir para deixar o tempo passar. Ainda só tem três anos, mas domina na perfeição a equação da resistência.

Nas primeiras horas, diz a mãe, a pequena Joana como dois pedaços de mandioca seca e brinca com os irmãos. Depois dorme e só acorda quando servem a “grande” refeição do dia.

Estes estômagos só conhecem três alimentos: mandioca, arroz e peixe. Variar a dieta? Só quando não há peixe e o arroz é servido sem nenhum acompanhante. Ainda assim ninguém o dispensa.

Nesta casa, as crianças têm nomes, mas nenhuma foi registada. Portanto, Mateus, 9 anos de idade, não sabe ler e nem escrever. O destino reserva-lhe o ofício de pescador num rio onde há cada vez menos peixe.

Embora o Plano Económico e Social para 2012 prevê a construção de 357 escolas, Mateus não será benefi ciário de nenhuma a sua família está mais preocupada em resolver os problemas do quotidiano e, em Icidua, o ensino gratuito não existe.

Na escola local não há livros e a taxa referente ao salário dos guardas é uma fortuna para a família de Mateus. 100 meticias anuais é muito dinheiro para quem desfruta quando consegue ter 20 meticais nas mãos. Portanto, esse crescimento de 5,4 porcento, previsto pelo PES 2012, ignora literalmente famílias como a de Mateus.

Irmãos do SIDA

David é órfão e só tem 15 anos. Quando os pais faleceram, ambos vítimas do SIDA e, sobretudo da ignorância, ele teve de se virar para sobreviver. “Os meus pais não acreditavam no SIDA, pensavam que estivessem a ser vítimas de feiticeiros. Quando souberam já era tarde. Morreram e deixaram- me sozinho”, diz resignado.

Só tinha 10 anos quando ficou sozinho no mundo. Como herança os pais deixaram-lhe muita pobreza aos olhos de pessoas comuns, mas em Icidua David tinha herdado uma fortuna. Ficou com uma rede de pesca, uma canoa, duas panelas e dois remos.

Como se isso não significasse opulência no bairro das necessidades, David tinha ainda um celeiro repleto de mandioca seca e uma lata de 25 quilos de farinha a transbordar. Foi com isso que se virou. Ou seja, num bairro onde as pessoas viviam do que o mar trazia, David tinha provisões para uns seis meses.

Só quando a comida começou a escassear é que David teve de aprender a pescar, mas não fê-lo sozinho. José Sabonete, 18 anos de idade, também era órfão e vivia sem eira nem beira. Não tinha o que comer, mas sabia pescar. Essa conjugação de factores tornou os dois jovens inseparáveis. David tinha os meios e José o engenho. Só assim conseguiram sobreviver e sobrevivem até hoje.

O SIDA tirou-lhes os progenitores e deixou-lhes sem hipóteses de sobrevivência. Devido ao trabalho em grupo e às redes fortes que David herdou, os adolescentes, transformados em adultos pela vida, conseguem pescar razoáveis quantidades de peixe.

Vezes há em que, no final do dia, saem do rio com uma bacia carregada de peixes, o que signifi ca uma receita na ordem dos 350 meticais. Mas isso não acontece todos os dias, mas nas vezes que sucede eles comem melhor. Conseguem comprar tomate e cebola e melhorar a dieta.

Tal como Mateus, David e José não foram registados e nem foram à escola. Não sabem ler e nem escrever. São apenas sobreviventes de Icidua, lêem todos os dias os sinais do rio e inventam ardis para vingaram num mundo que não lhes conhece e que lhes votou ao abandono.

Vida paupérrima

Se as histórias de vida da família Sabonete, de David e Mateus parecem tristes o mesmo não se pode dizer de Ana Guimarães. Vive sozinha e viu os filhos perderem a vida.

O primeiro a cólera levou-o, o segundo não escapou de uma malária e, por fim, a filha na qual depositava esperanças foi estuprada e jogada num mangal. O bairro, na altura, não tinha um posto policial e o assunto morreu no lugar onde Minda foi enterrada.

Efectivamente, Ana queria sair da zona do mangal e entrar mais para o interior do bairro. O espaço já estava identifi cado, mas as sucessivas mortes impediram que esse desejo se realizasse. Hoje, vive do pouco que consegue tirar da sua machamba. Mesmo quando adoece não se pode vergar, pois não tem apoio de ninguém.

Os vizinhos nem se aproximam da sua casa. Dizem que ela “comeu” os filhos e, por isso, consegue sobreviver com quase nada. Mas Ana diz que dava tudo para ter os seus filhos de volta. “Não podia condenar-me a esta morte lenta. Sem filhos não sou nada. Estou à espera da minha hora para deixar de sofrer”.

Lazer

Para além do mercado, onde aparelhagens com recurso à baterias de automóveis tocam algumas músicas e bebidas baratas são também comercializadas, não há um espaço onde os residentes do bairro possam confraternizar.

Sem corrente eléctrica, os vendedores usam pedras de gelo para manter os produtos frescos. As pedras são adquiras num bairro circunvizinho e não custam menos de 15 meticais.

Ernesto, um comerciante, fez saber que os pescadores, procuram bebidas que não ascendam os 15 meticais. “Normalmente, por garrafa há uma sociedade de duas pessoas.” Os jovens, também pescadores, divertem-se no mercado. Todos são atraídos pelas bebidas baratas e o sexo fácil. Aqui os preços são convidativos. Uma rapidinha não passa dos 10 meticais e com cinco peixes, para os que trazem produtos, os homens podem ter uma mulher por uma noite.

O centro de saúde distribui preservativos, mas são poucas pessoas que os procuram. Por outro lado, as barracas improvisadas não vendem camisinhas. “Não é um negócio lucrativo e são caras. Ninguém compra”.

Efectivamente, as camisinhas custam, no mínimo, 10 meticais. Com esse valor é possível adquirir cinco peixes ou uma lata de farinha para confeccionar a refeição de uma família de cinco pessoas.

Num bairro onde não há fontes de rendimento, a escolha entre proteger-se e levar comida a boca é fácil. Aliás, “o preço da camisinha neste bairro é criminoso”, refere um agente de saúde que pediu para omitirmos o seu nome.

Mauro Francisco, 25 anos de idade, é um jovem que vive entre o rio e o mercado. No primeiro lugar vai buscar o sustento e no segundo o lazer. Sempre pagou por sexo e sempre fê-lo sem protecção. “Nunca tive dinheiro para comprar preservativos”, justifica.

“Quando tenho não há”, acrescenta ao mesmo tempo que aponta, com o indicador direito, para as prateleiras de uma barraca sem preservativos.

Mauro nunca fez o teste de HIV e afirma que “ter ou não ter SIDA não faz diferença” em Icidua. “Nós aqui já nascemos condenados. A nossa doença é morar neste bairro”, diz.

Hospital

O centro de saúde de Icidua foi construído em 2006 e atende uma população superior à que o bairro comporta. Efectivamente, no local há 8523 residentes, mas para os residentes dos bairros de Nicoadala que fazem fronteira com Quelimane é mais fácil chegar ao posto de saúde de Icidua do que ao hospital distrital local.

Para atender 8523 pessoas, Icidua conta com um técnico de saúde e dois agentes de medicina geral responsáveis pela triagem. Há sete parteiras, das quais duas têm o nível médio, quatro do básico e uma do elementar.

Em média há 32 partos mensais no bairro, mas no mês passado esse número ascendeu aos 60 partos. Porém, as autoridades de saúde têm uma explicação, as mulheres de Nicoadala vêm até ao centro para dar parto.

No que diz respeito ao HIV/SIDA os níveis de infecção são bastante altos. O facto de Icidua ter sido uma zona pesqueira, na qual as pessoas não afixavam residência pode ser uma das causas do níveis de incidência acima dos 40 porcento.

A doença mais frequente, pelas condições geográficas da própria zona é malária, mas no ano passado registavam-se muitos casos de cólera. Este ano já não se verificam e a explicação pode estar nas medidas preventivas.

Já ninguém morre de complicações de parto. Porém, ainda há muitas mortes causadas por doenças curáveis. É difícil encontrar uma família que não tenha perdido um ente-querido por causa de malária. Aliás, é a doença que mais mata no bairro. Estima-se que um em cada recém-nascido não atinja os seis meses de vida. Duas em cada cinco crianças morrem de cólera antes de completarem seis anos.

Em cada dez mulheres grávidas, duas morrem vítimas de malária sem darem parto e outras cinco de cólera antes de vislumbrarem a entrada do centro de saúde.

Segurança pública

Icidua tem um posto desde 17 de Fevereiro de 2010, no qual trabalham sete agentes. Os casos frequentes estão relacionados com violência doméstica, agressões e alguns casos de homicídios que chegam do bairro de Madal, em Nicoadala.

Antes do posto policial este era um bairro problemático. Hoje, salvo as queixas por violência doméstica que depois são desmentidas pelas próprias vítimas, não há ocorrências dignas de registo naquela parcela de terra.

A esquadra, diga-se, faz jus ao bairro, não tem corrente eléctrica e muito menos água canalizada. Não foi construída de raiz e porque falta luz os processos só são abertos de dia.

O edifício pertencia à um cidadão de origem europeia, o qual abandonou o local. Mais tarde um popular passou a habitar no local. Porém, a PRM ano nível de Quelimane decidiu ocupar a residência deixando um cidadão ao relento.

Porque foi construída para ser uma habitação, o posto policial não dispõem de uma cela, os presos são algemados às árvores quando detidos de noite. De dia são transportados de bicicleta ao comando da cidade.

Educação

Em Icidua só é possível estudar até a sétima classe. António Sozinho concluiu o ensino primário do segundo grau na única escola do bairro. Porém, decidiu interromper os estudos. “A escola da cidade ficava longe e aqui não há transporte”, diz para depois acrescentar: “e mesmo que houvesse eu não teria dinheiro para pagar”.

António, diga-se, não é o único que largou os estudos. Efectivamente, em Icidua os poucos jovens que estudam depois da 7a classe suspendem as aulas. Ou seja, a distância que separa o bairro da escola mais próxima, a ausência de transportes e a difi culdade de atravessar Torrone Velho sem sofrer assaltos intimidam qualquer um.

Fecalismo a céu aberto

Icidua é um bairro com características próprias. Os residentes não constroem casas de banho e as necessidades maiores são feitas na zona do mangal. E, como deve ser normal, quem tem difi culdade de construir uma casa condigna não pode erguer uma casa de banho em condições.

“Aqui não há latrinas. Nas eleições passadas prometeram, mas nunca chegaram de construí-las”, afirma Sabonete. “Também disseram que teríamos furos de água”, reforça José Sozinho.

“As pessoas têm de ir buscar água em Torrone Velho e pagam muito por isso. Um bidão de 25 litros não custa menos de três meticais”, acrescenta.

O que elucida que em Icidua o problema de abastecimento de água é grave e a qualidade do líquido que sai do poço do centro de saúde daquele bairro. Aliás, beber aquela água é um desafio à saúde.

Transporte

Há várias formas de chegar ao coração de Icidua. Porém, andar pelos próprios pés, do centro da cidade ao interior do bairro é a forma mais eficaz. Há, diga-se, algumas bicicletas e carrinhas de caixa aberta sem data e hora marcada.

Efectivamente, do centro da cidade de Quelimane até Icidua o transporte por via de uma bicicleta custa 15 meticais. Um preço, que pelas condições financeiras dos residentes, ninguém paga. Na verdade, as poucas bicicletas que circulam são dos residentes que ganham a vida no centro da cidade de Quelimane. Por isso, em Icidua também não há transporte.

Visão política

Em Icidua ninguém quer saber de política. Aliás, os moradores sabem que a sua importância cresce à medida que se aproxima um pleito eleitoral. Porém, na hora do cumprimento das promessas Icidua transforma-se num terreno inóspito para dirigentes.

Alguns conhecem Pio Matos, o antigo edil de Quelimane, mas não guardam saudades. “Prometeu água e energia, mas depois que votamos nem uma coisa e nem outra”, diz um jovem que não se quer identifi car, mas não recusa o flash da máquina fotográfica.

“Sabe onde é que vamos buscar água?”, questiona.

A animosidade em relação à política é mais intensa nos jovens, os adultos parecem resignados e conformados com o destino a que foram votados. “Quando uma mãe não faz filhos nós trocamos e chamamos outra”, disse o jovem referindo-se à governação da Frelimo. Porém, deixou um aviso: “se a outra não funcionar também vamos trocar”.

No que diz respeito aos idosos, quase ninguém se lembra do nome daquele que foi Presidente do Município de Quelimane durante 12 anos. Lembram-se, isso sim, que veio alguém pedir votos. “Mas nós não fomos”, diz resignado Tomé José Sábado.

Efectivamente, o ponto IV, que aborda os principais objectivos do plano económico e social não pode ter tido em conta o bairro de Icidua quando fala em melhorar em quantidade e qualidade os serviços públicos de educação saúde e saneamento, estradas e energia.

O pior, contudo, nem é a pobreza deste bairro. O pior é saber que nos aglomerados populacionais que ficam depois de Icidua é pobreza é ainda mais aterradora.

"O futsal baixou de qualidade"

À beira de completar três décadas, Ricardo Mendes –Dino – vai fazer a sua última época no futsal moçambicano. Sente que a paixão começa “a esmorecer” numa altura em que a modalidade clama por “socorro”. Falhou o profissionalismo porque “alguns interesses ou desinteresses obscuros” não lhe deixaram sair do país. Chegou à modalidade pelas mãos de outro craque: Mauro Sales. Não deixou a modalidade porque teve um amigo sempre presente: Mano.

(@Verdade) - Como e onde descobriu a sua paixão pelo futsal?

(Ricardo Mendes) - Descobri essa paixão na zona, na Rua das Flores no bairro Central, ainda bem miúdo. Apesar de vermos muito futebol de 11 pela televisão e ao vivo, não tínhamos muitas hipóteses de praticá-lo pela natureza do espaço físico onde vivíamos.

Na cidade só podíamos jogar no salão, concretamente no da Escola Primária 16 de Junho. Foi nesse local onde dei os meus primeiros toques na bola. Na altura apenas jogávamos futsal de forma recreativa e chamávamos a modalidade simplesmente de futebol de salão. Era bom demais, tínhamos uma equipa fantástica, quase imbatível e divertíamo-nos imenso.

(@V) - Como é que se sentiu quando foi o segundo melhor marcador de um Grand Prix, atrás apenas do melhor jogador de futsal do mundo, o Falcão?

(RM) - Para além do orgulho natural, fiquei surpreendido.

(@V) – Surpreso porquê?

(RM) - Havia 16 equipas se a memória não me trai e nós ficámos em 12º ou 13º lugar. O Brasil ocupou o primeiro lugar, repara nesta distância, e pelo meio competimos com equipas e jogadores com muita qualidade e que disputaram muito mais jogos. Esses é que tinham mais probabilidades de lutar por esse troféu.

(@V) – Como olha para o estágio do futsal em Moçambique?

(RM) - Custa-me falar da modalidade porque neste momento futsal é só a selecção, pelo menos que eu tenha conhecimento. Não há competição interna há ano e meio, o que é lamentável, depois dos passos que esta modalidade tinha dado julgo que recuou bastante. Penso que neste momento a modalidade está a pedir socorro, ela clama por alguém que a salve.

(@V) - Os jogos do futsal já tiveram mais público, mas actualmente essa “procura” baixou drasticamente. O que poderá estar por detrás do rebaixar do entusiasmo?

(RM) - O futsal baixou muito de qualidade, a competição era claramente a Liga Muçulmana contra o Desportivo. Nesses duelos encontrava-se qualidade e, por via disso, também a adesão do público era bem maior. Portanto, a fraca qualidade pode estar a contribuir para a residual afluência, mas também é verdade que os pavilhões e os campos de quase todas as modalidades andam com muitos espaços vazios.

(@V) - Há quem diga que a qualidade dos jogadores baixou drasticamente.

(RM) - Partilho dessa visão, têm surgido pouquíssimos talentos, pelo menos na competição em que estávamos inseridos.

(@V) - Moçambique sempre esteve um escalão acima do futsal angolano, mas parece que agora a situação se inverteu. Como explica a supremacia actual dos angolanos?

(RM) – É um facto. Vi no Grand Prix do ano passado uma Angola muito melhor fisicamente, com jogadores que jogam há algum tempo juntos e muito talentosos. Neste momento estão, confesso, acima de nós e contam com umtreinador que explora ao máximo as qualidades técnicas dos seus jogadores.

(@V) – O futsal poderia estar melhor?

(RM) - Esta deve ser a modalidade mais praticada, pelo menos em Maputo. O futsal devia merecer mais atenção, veja quantos miúdos andam aí pela cidade equipados à procura de um campo para jogar. Existe muita vontade dos praticantes desta modalidade, quer por parte dos miúdos, quer por parte do pessoal que já está em fim de carreira, praticamo-la por amor. Portanto, quem se propôs a mudar a face do futsal que o faça de facto.

(@V) - Sei que teve um proposta da Ucrânia para jogar profissionalmente. O que o impediu de rumar para o profissionalismo?

(RM) - Foi da República Checa. Tive uma proposta para lá ir jogar, mas alguns interesses ou desinteresses obscuros travaram-me no belo Moçambique. Pelo que fiquei a saber no ano passado, no Brasil, do treinador dessa equipa é que eles fizeram tudo o que estava ao seu alcance para que eu fosse jogar no campeonato deles. Devo ter ficado bem por aqui.

(@V) – Qual foi o melhor jogador moçambicano que viu jogar no futsal?

(RM) - Mauro Sales.

(@V) – E o melhor da actualidade?

(RM) – Carlão, do Desportivo.

(@V) – Há alguns meses falou-se de um plano para revitalizar a modalidade. Será que existe vontade?

(RM) -Talvez exista vontade, mas pouco se viu até agora.

(@V) – Nas condições actuais pode surgir um Mauro Sales ou um Madjila no futsal nacional?

(RM) - Não. Talvez da mesma forma que não será possível surgirem jogadores como Chababe, Calton, Ali Hassan e Chiquinho Conde.

(@V) – Ainda sente paixão pelo futsal?

(RM) - A paixão vai esmorecendo, mas ainda tenho a sufi ciente para jogar este ano. Este será omeu último ano de futsal.

(@V) – Depois de todos os títulos que deu à Liga Muçulmana sente, da parte do clube, respeito pelo seu percurso?

(RM) - Realmente dei muito, mas a Liga também me deu muito. Até hoje tenho as portas abertas para qualquer questão. Existe uma relação de respeito mútuo.

(@V) – O investimento da Liga no futebol de 11 e no basquetebol feminino terá, de alguma forma, transformado o futsal numa espécie de parente pobre do clube?

(RM) - A Liga optou por modalidades que lhe dessem maior visibilidade e estas são as modalidades número um e dois no país. Contudo, tenho a certeza de que se se estivesse a jogar futsal a Liga estaria a competir. O futsal está no coração dos dirigentes. Porém, a cabeça manda-os para o negócio do futebol e do basquetebolfeminino.

(@V) – Qual devia ser o lugar do futsal no clube?

(RM) - O lugar que ele merece.

Títulos

3 campeonatos nacionais

4 campeonatos da cidade

3 torneios de abertura

2 taças da cidade 2 vezes melhor jogador do Nacional de futsal 1 vez melhor marcador do Nacional de futsal

1 vez melhor marcador do CAN de futsal

1 vez segundo melhor jogador do CAN de futsal

1 vez segundo melhor marcador do Grand Prix do Brasil

terça-feira, 6 de abril de 2010

A vida é fodida

A vida é uma puta de pernas abertas, todos pensam que a fodem, mas ela, a vida, é que nos fode todos os dias. Este país fode-nos a torto e a direito: fode-nos com impostos, fode-nos com retrocesso, fode-nos com inspecções, fode-nos com encurtamento de rotas, fode-nos com taxas de lixo, fode-nos com a EDM, fode-nos com o preço do gás, fode-nos com o pão cada vez mais pequeno, fode-nos com ADM, fode-nos com tudo. Moçambique é uma vida tremendamente fodida...e o pior é que os que nos fodem sofrem de ejaculação precoce e tusas constantes, pois mal esporam volta a foder-nos de novo e nós povo, eternas mulher na nossa maneira de sentir, não atingimos orgasmo.

Os nossos filhos em nós

Os filhos são uma extensão de nós mesmos, são a continuação do nosso corpo noutro corpo. São um espelho que nós devolve o reflexo da nossa passagem pelo mundo. Na verdade os nossos filhos somos nós fora do nosso corpo. São uma parte de nós que um dia há-de ir pelo mundo fora à procura de continuar o que nós somos. Os filhos não são nossos filhos, somos nós. Sempre foi assim, ciclicamente. Nós somos os que nos precedem, assim como eles, os nossos filhos, são o amanhã, o procedente que se mantém amarrado ao presente até um dia....

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

O melhor já está dado. Agora somos nós.

Os últimos anos na Beira fizeram magia. Colocaram o país naquele ponto maldito do estilo “Independência ou Morte”. Em que temos de correr até à exaustão se queremos ficar no mesmo lugar. É assim que estaremos, mesmo tendo sido eleito Deviz Simango. Por isso quem espera muito talvez se engane. Tenho para mim que é melhor esperar bem pouco dos próximos anos na política nacional. Mesmo sendo Presidente do MDM o homem que nos ofereceu a maior garantia dada até hoje, em Moçambique, de que a Democracia funciona. E que talvez até tenha devolvido aos moçambicanos uma esperança antiga que já parecia nem passar de um sonho.Penso que daqui a cinco anos, teremos muita sorte se os preços dos bens de primeira necessida tiverem diminuído. Teremos sorte se as razões que o justificam para alguns forem em número menor. E teremos ainda mais sorte se as necessidades que fomos levados a criar, entretanto, não nos levarem a alguma das várias falências a que estamos sujeitos: Água, transporte e habitação são só as mais visíveis.É claro que o responsável por tudo isto não foi apenas a subida do petróleo no mercado internacional. Nem foi a subida o do ‘chapa’. Nem foram as explosões do Paiol. Nem a culpa foi exclusiva de Guebuza, é difícil imaginá-lo a tomar decisões sozinho. Elas foram tomadas por muitos mais. Foi uma forma de pensar que nos colocou na posição em que estamos. A forma de pensar que cada um destes homens (Frelimo) representa e que uns quantos têm a ousadia de chamar “os libertadores da pátria”. Com direito a associação (anilbazinhos e nhimpines deste mundo) e tudo. São os próprios que a resumem. Dizem que acreditam na protecção da vida, do casamento, da família, da fé e da liberdade. Também eu. O problema é que, para eles, a única fé com direito à defesa é a deles próprios. A única liberdade é a de pensar como eles pensam. E a forma de pensar é aquela que considera levar ao fim do mundo o facto de os funcionários da função pública não puderem assumir outras cores partidárias.Os valores da FRELIMO nunca foram nada disto. Os valores da FRELIMO começavam na possibilidade de libertar o país. E não é possível saber onde terminavam porque eram o que de melhor se conseguiu arranjar até hoje para que uma sociedade se organizasse com garantias elementares de paz e com um mínimo de justiça.Nos próximos anos, teremos sorte se prevalecer o Direito e se forem fechados na cadeia todos os corruptos de colarinho branco. Teremos sorte se o já chamado plano dos sete bis nos retirar da vulnerabilidade aos choques petrolíferos e nos der alguns anos de conforto. Teremos sorte se não aumentar a tragédia que leva já hoje proporções bíblicas, que é o êxodo de moçambicanos à xenofobia sul-africana. Um êxodo que em nada fica a dever à errância pelo Sinai em busca da terra prometida.Teremos muita sorte se as armas que destrõem moçambicanos fugirem das mãos dos criminosos e se mantiverem nas mãos do Estado e se a PRM se submeter voluntariamente a uma ordem que os dignifique e que defenda o povo, mas que também os saiba e possa punir quando os seus elementos se atreverem a conquistar dinheiro à custa de criminosos e da sanha pelo outro.Habituámo-nos a pensar que a Democracia caminha sempre para melhor mas não há certeza mais absurda. Teremos sorte se a Constitução se mantiver como o conhecemos hoje. Muita sorte. A História não tem rumo nem direcção. Não avança nem recua. As civilizações vão e vêm como tudo o resto e um dia alguém há-de pisar as nossas ruínas.De vez em quando ouvimos algumas vozes a falar de muito longe em pilares que é preciso erguer se queremos que o país possa funcionar como um todo, como um organismo em que a saúde de cada órgão seja mais do que preciosa. Seja vital para todos.Foi isto que todas as religiões propuseram ao longo dos tempos. Foi isto que todos os sistemas políticos prometeram. E foi isto que toda gente quis acreditar algum dia que seria possível acontecer quando descobriram o fenómeno Deviz Simango.Ouve-se ao longe e depois é o silêncio. Não passa de uma espécie de monumento a qualquer coisa que não existe senão nas certezas dos físicos ou nos momentos em que cantamos os “parabéns a você”.Gostaria de pensar que Deviz Simango tem nas mãos a alavanca para poder levantar a pedra mais pesada deste monumento mas ele não tem.O melhor que Deviz poderia dar-nos a todos julgo que já está dado. E não é tão pouco como isso. O melhor já está dado. Agora é connosco.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Uma decisão partidária?

O que terá feito com que a CNE, depois de vários processos eleitorais a ignorar a Lei, neste (processo) tenha, como apregoa, se cingido nela – Lei – para colocar “fora de jogo” alguns partidos políticos? Embora sob o ponto de vista legal a decisão da exclusão tenha deixado pano para mangas. Aliás, uma decisão que muitas pessoas esperavam que não procedesse no CC. Debalde. Contudo, amiúde aventa-se à hipótese de que a CNE, neste episódio, seja apenas o cavalo de Tróia. Uma espécie de cavaleiros da Tavóla Redonda. Os bobos da Corte. Ou seja, nesta questão, digo por hipótese, por trás da CNE há uma criminoso de colarinho branco. Quando digo por trás não estou a falar de Leopoldo, mas sim de quem mexeu, em algumo momento os cordelinhos para que ele fosse colocado naquele cargo.
A maior ameaça para a hegemonia dos maiores partidos do país era, de facto, o MDM. Até porque podemos colocar a questão nestes termos: Dois dois partidos com assentos no parlamento qual é que tinha poderes para ‘eliminar’ o MDM? A Frelimo é claro. Mas que interesse a Frelimo teria em eliminar o MDM se o partido de Daviz Simango entraria para disputar a hegemonia da Renamo. Será? O MDM tem expressão nas zonas rurais ou é um no meio urbano em função da maior instrução dos seus habitantes?
Tenho quanto a mim que o MDM é um partido que tinha muitas hipóteses no contexto urbano. Nas zonas rurais o MDM é um partido sem expressão política e sem bases. É preciso analisar quem, de facto, tinha medo das réplicas do terramoto político da Beira. Até porque se esse cenário se confirmasse nos meios urbanos e por mais que Guebuza voltasse a ponta vermelha a Frelimo sairia do processo chamuscada. E isso não é bom para um partido que libertou o país e fez muitas coisas. E, nestas circunstâncias, a Frelimo pode ter um dedo na decisão do CC.